Embalagens laminadas de salgadinhos, escovas de dente e canetas usadas e até gomas de mascar e bitucas de cigarro. Encontrar uma destinação ambientalmente correta para resíduos que ninguém faz questão de reciclar - e fazer com que eles retornem, como matéria-prima, à indústria - tornou-se o desafio de empresas que se especializaram em lidar com resíduos que pareciam fadados a repousar eternamente nos aterros sanitários. Com uma boa dose de idealismo, busca por inovação e modelos de negócios com apelo social, empresas como a multinacional TerraCycle e a brasileira WiseWaste mostram que é possível encontrar soluções economicamente viáveis para quase todo tipo de resíduo.
Um empurrão nesse sentido vem sendo dado pela Política Nacional de Resíduos Sólidos, que prevê a responsabilidade pela geração de resíduos em todos os elos da cadeia - do consumidor à indústria, especialmente fabricantes de embalagens plásticas, lâmpadas fluorescentes, eletroeletrônicos, pilhas e baterias, entre outros.
Esses setores já elaboram planos para colocar em prática a chamada logística reversa - o recolhimento dos materiais ao fim de sua vida útil, seguida pela reintrodução, na indústria, dos materiais que o compõem. O problema é que nem todo resíduo gerado pela vida moderna tem valor econômico.
"Existem hoje no mundo todo apenas cinco tipos de materiais cuja reciclagem é economicamente vantajosa: latas de alumínio, plástico PET, plástico rígido, papel e vidro", afirma o húngaro Tom Szaky, criador e presidente global da TerraCycle. "Isso significa que mais de 80% dos materiais com os quais convivemos não têm uma cadeia de reciclagem consolidada. Eles vão parar nos aterros, sem nenhum tipo de reaproveitamento", disse ele, em visita a São Paulo.
Szaky, de 30 anos, comanda uma empresa que criou enquanto cursava a Universidade de Princeton, em Nova Jérsei, nos EUA. Concebida como um negócio social - cujo propósito é ter o lucro todo investido na causa que apoia, no caso, o problema do lixo - a TerraCycle extrapolou fronteiras e, em doze anos, alcançou presença em 22 países e um faturamento anual de US$ 19 milhões. "O que fazer com o lixo é um problema que assombra todos os países. É mais barato enviar os resíduos para aterros ou incinerá-los do que desenvolver soluções para reaproveitar o maior número possível de materiais. Mas a humanidade nunca gerou tantos resíduos como agora, então, é importante que se busque soluções para isso", diz Szaky.
A estratégia da TerraCycle é concentrar-se nos resíduos cuja reciclagem ainda não é economicamente viável. Outro diferencial da empresa é o sistema de coleta desses resíduos, assumido por pessoas físicas que se organizam e saem coletando as embalagens entre vizinhos, familiares, no local de trabalho, nas escolas, e nos condomínios. A empresa chama esses times de "brigadas". Depois, esses indivíduos encaminham os resíduos para a empresa via correio, sem custos, e recebem por isso um pagamento em prol de uma ONG que eles próprios escolhem.
Depois, parceiros recicladores se encarregam de transformar esses resíduos em matérias-primas para que voltem à indústria - esse acaba sendo o destino de 96% do que é recolhido. Uma pequena parte (4%) passa por "upcycling" (transformação das embalagens em novos produtos, mas sem passar pelos processos físicos ou químicos da reciclagem - o material é usado tal como ele é). Assim, embalagens de sucos prontos viram bolsas, mochilas e estojos.
Outra estratégia é manter equipes formadas por designers, químicos e engenheiros de materiais que se dedicam a pesquisar novas alternativas de uso para os resíduos. Quem patrocina os processos de logística reversa e destinação desse lixo geralmente são grandes empresas, que buscam alternativas para lidar com seus resíduos, especialmente embalagens - é desses contratos, chamados de "lixo patrocinado" que vem o faturamento da TerraCycle.
No Brasil desde 2010, a empresa tem 20 programas de coleta de resíduos, fruto de contratos fechados com multinacionais como PepsiCo, Nestlé, Avon, L'Oréal, Faber-Castell, BRFoods, Mondeléz (dona da marca de refrescos Tang), Colgate, entre outras. As "brigadas" são compostas por mais de 540 mil pessoas, que já coletaram 20 milhões de itens desde o início da operação da empresa no país, hoje o mercado de maior crescimento da empresa no mundo. Além de embalagens plásticos de cosméticos, são recolhidos outros itens como escovas de dentes velhas, embalagens flexíveis laminadas, material escolar.
A fabricante de materiais escolares Faber-Castell começou a patrocinar, no início do ano, um projeto para recolhimento de instrumentos de escrita em escolas de todo o Brasil. "O que fazer com canetas sem carga, lapiseiras, apontadores, estojos e outros itens ao final de sua vida útil? Pensamos que esses materiais poderiam voltar para a indústria como matéria-prima", diz Carlos Zuccolo, diretor de marketing da Faber-Castell.
O executivo estima que a iniciativa tem potencial para mobilizar até 3 mil escolas. Hoje, 480 brigadas estão coletando esses materiais, totalizando quase 73 mil itens coletados. A empresa está discutindo, junto com a TerraCycle, a melhor maneira de aproveitar esses materiais. "O projeto está no início, mas provavelmente o plástico vai voltar à indústria e poderá ser usado para fabricar novas canetas", diz Zuccolo.
Uma das brigadas de maior sucesso no Brasil foi realizada junto à PepsiCo. A multinacional, dona da marca Elma Chips, queria dar uma destinação final adequada às embalagens usadas para acondicionar salgadinhos. Embora sejam bastante utilizadas pela indústria de alimentos, essas embalagens não despertam o entusiasmo dos recicladores, pois, formadas por uma mistura de resina plástica e alumínio, são difíceis de reaproveitar. Com a TerraCycle, foi desenvolvida uma tecnologia para transformá-las em uma resina plástica granulada que pode ser usada para produzir diversos itens. O principal deles são displays para pontos-de-venda.
"Em 2011, mais de 23 milhões de embalagens foram recicladas e transformadas em mais de 38 mil displays. Em 2012, foram produzidos mais de 50 mil displays", diz Claudia Pires, gerente de sustentabilidade da PepsiCo do Brasil. Segundo ela, desde que o projeto começou, em 2010, foram fabricados 89 mil displays, o que equivale a 470 toneladas de embalagens que deixaram de ir para aterros. Entre as brigadas da TerraCycle, a da PepsiCo atraiu mais de 2.400 times de coleta, responsável por recolher quase 5 milhões de embalagens.
Responsável por fundar a operação da TerraCycle no Brasil, o engenheiro de materiais Guilherme Brammer fundou, em 2011, ao lado de Chicko Souza, a WiseWaste. Ali, a coleta dos materiais é feita por meio de cooperativas de catadores e um acordo tecnológico com a Universidade Mackenzie permite o desenvolvimento de soluções para os resíduos.
Uma dessas soluções, desenvolvida para a gigante P&G é a transformação de embalagens, escovas de dente, aparelhos de barbear antigos e outros itens de plástico em displays para serem exibidos nos pontos de venda no varejo.
A parceria, que inclui a rede de hipermercados Extra, permitirá que os consumidores levem seus resíduos para estações de reciclagem instaladas em 126 lojas da rede, em 16 Estados. Por meio de um convênio com 45 cooperativas de catadores em todo o país, a proposta é que esses resíduos voltem à indústria e sejam usados para produzir displays promocionais e outros tipos de produtos.
"Na fabricação do primeiro lote de displays, já foi possível reinserir na indústria, como matéria-prima, 3 mil toneladas de resíduos plásticos, coletadas por cinco cooperativas de catadores de São Paulo. A expectativa, com os postos de coleta na rede Extra, é chegar a 15 mil toneladas de resíduos/ano", afirma Guilherme Brammer.
Segundo Gabriela Onofre, diretora de comunicação da P&G Brasil, à medida que o consumidor tomar conhecimento da possibilidade de descartar esses resíduos no varejo, o projeto deve crescer.
Para a rede Extra, que faz parte do Grupo Pão de Açúcar, o projeto vai permitir dar visibilidade às estações de reciclagem e aumentar o volume de resíduos que é encaminhado para as cooperativas de catadores. Em seis anos, 8,5 mil toneladas já foram encaminhadas para os recicladores. "As lojas já servem como pontos de entrega voluntária de resíduos, pilhas e baterias e óleo de cozinha. O objetivo agora é reforçar esse apelo junto ao consumidor", explica Thatiana Zukas, coordenadora de sustentabilidade do Grupo Pão de Açúcar.
Fonte: goo.gl/eDPPHB